[Crônicas de Sofia] - Reparos

Crônicas de Sofia - Reparos
Sofia organizava os livros de literatura americana em ordem alfabética, sentia-se louca e transtornada com os leitores que bagunçavam as estantes, amassavam, riscavam, rasgavam ou jamais voltavam com as obras emprestadas, a garota de cabelos azuis era a favor de uma penalização mais severa para estes tipos de leitores, até porque nas situações mais extremas em que as obras literárias voltavam, cabia a ela fazer o conserto. Com uma pilha de feridos em batalha nas mãos, ela subia as escadas indo para uma sala de vidro, pequena e tranquila, onde tudo que faria eram reparos. Cansada ela põe o amontoado de soldados sobre a mesa, senta-se e examina os ferimentos de vários deles, porém o último chamou-lhe atenção. Escrito por C.S. Lewis, Crônicas de Nárnia estava com a capa rasgada e na primeira folha continha uma dedicatória de amor escrita a caneta.
"Lembro-me da sua euforia ao ver este livro nas vitrines de San Diego, logo, decidi comprar para presenteá-la com seu maior desejo desde aquele verão.
Para Laura, a mulher mais incrível que já pude ter.
Com amor, Peter"
- Se o livro veio parar aqui e agora está nesse estado, provavelmente estes dois separaram-se... não deveriam descontar na obra, mas tudo bem... - ela tentava manter-se calma enquanto retirava a capa e colava outra qualquer, prensava para que secasse de modo correto e a etiquetava com o nome da obra. - Como teria sido a história destes dois? - ela perguntava-se imaginando quantas tramas foram tecidas em vidas de indivíduos comuns e nunca foram contadas, apenas pequenas marcas ficaram em livros como este, em árvores quaisquer, documentos perdidos em caixas e gavetas, marcas que fariam sentido apenas para quem já conheceu aqueles fatos de alguma forma.
Estas eram outras doces e fascinantes estórias que nunca foram contadas, talvez jamais fossem, porém ela, como leitora compulsiva e amante dos enredos românticos gostaria de descobrir, cada ser humano tem uma face impressionante nunca mostrada, assim como uma vivência que pertence unicamente a ele e pode nunca ser eternizada. Queria ela ter o poder de presenciar os fatos narrados nestas poucas marcas, para degustar de cada gota do conhecimento. Sofia despertou de seus pensamentos, os ponteiros do relógio tinham corrido naquele meio tempo e já estava na hora de sair para o almoço, ela ajeitou os óculos quadrados e levantou-se da cadeira ainda tentada com aquilo, lembrava-se do dia em que o livro chegou a biblioteca pelas mãos de uma presença feminina de cabelos longos e loiros, presos em uma trança complicada, provavelmente Laura. Junto com ele havia mais obras das quais ela poderia investigar depois que voltasse do restaurante, buscaria pelos registros de doação daquele 12 de novembro, talvez achasse algo que sua memória não recordava. Sentiria-se em uma investigação policial, juntando todos os fatos, algo que ela adorava, então saiu sorrindo, saltitante e ansiosa, mal via a hora de começar.